Playboy: Comecemos por John. O que você andou fazendo desde 1975?
Lennon: Andei fazendo pão e cuidando do bebê.
Playboy: O quê?
Lennon: Cansam de me perguntar, 'Mas o que você tem feito?' eu respondo: Você está brincando? Toda dona-de-casa sabe que bebês e pães são um trabalho de tempo integral.
Playboy: Por que você se tornou um homem caseiro?
Lennon: Dos 22 aos 30 anos passei minha vida envolvido em contratos e compromissos. Eu não era um homem livre. Meus contratos eram uma manifestação física de uma prisão. Passou a ser mais importante para mim me encarar e encarar a realidade do que prosseguir no mundo do rock'n'roll - e ficar oscilando de acordo com os caprichos de meu próprio desempenho ou da opinião pública. O rock já não tinha graça para mim. Decidi não seguir os caminhos habituais de quem lida com o negócio - ir para Las Vegas e cantar seus sucessos, se você está feliz, ou ir para o inferno, que é para onde foi Elvis Presley.
Playboy: Muita gente teria continuado a trabalhar mesmo assim. É porque não consegue achar uma saída?
Lennon: Muita gente não vive com Yoko Ono.
Playboy: Quer dizer...
Lennon: Muita gente não tem uma companhia que lhe diga a verdade e se recuse a viver com um artista de merda, que é o que eu sei muito bem ser.
Playboy: Yoko, o que você sentiu ao ver John se tornando um homem caseiro?
Ono: Quando John e eu saíamos as pessoas perguntavam a John, “O que você anda fazendo?” Mas nunca perguntavam a mim, pois, como sou mulher, nunca se espera que eu faça alguma coisa.
Lennon: Enquanto eu limpava a sujeira do gato ou alimentava Sean, Yoko se sentava à mesa, em salões enfumaçados, com executivos de terno e colete que mal conseguiam abotoar, de tão gordos.
Ono: Eu me encarregava dos negócios - a APPLE, a MACLEN (respectivamente, a gravadora e editora dos Beatles) - e dos novos investimentos.
Playboy: Você tinha alguma experiência de negócios?
Ono: Eu aprendi. De início meu próprio contador e meu advogado não conseguiam encarar o fato de eu lhes dizer o que fazer.
Lennon: Mais ou menos a atitude de quem diz:"esta é a mulher de John, mas ela não pode estar 'realmente' representando-o."
Ono: Você ficaria assustado se soubesse como fui insultada por eles.
Lennon: Eles não aguentavam. Mas têm de aguentar, pois é ela quem nos representa. Eles são machos, Você sabe: imensos e gordos, bebedores de vodca, fanfarrões, iguais a cães amestrados - treinados para atacar o tempo todo. Recentemente, Yoko fez o possível para fechar um negócio que nos daria um monte de dinheiro, inclusive à eles, mas eles lutaram e lutaram para que ela não o fizesse, porque a idéia era dela e ela é uma mulher. Mas ela acabou fazendo, e um dos rapazes lhe disse: “Bravo! John Lennon ataca outra vez”. Mas John Lennon não tinha nada a ver com aquilo.
Playboy: Por que vocês estão de volta às gravações e à vida pública?
Lennon: Há hora para respirar o ar e há hora para soltar o ar. Sentimos vontade de voltar, agora que temos coisas a dizer. Yoko e eu tínhamos tentado fazer música junto, muito tempo atrás, mas as pessoas achavam que os Beatles eram uma coisa sagrada que não devia ser abandonada. Agora, ou as pessoas já se esqueceram disso ou ficaram adultas. Não será mais a história do maravilhoso príncipe do rock'n'roll que compõe você estranhas baladas ao lado daquela exótica mulher-dragão do Oriente.
Playboy: como vocês reagiram aos comentários negativos dirigidos anos a fio, à 'mulher-dragão'. como diz você?
Lennon: Nós dois somos pessoas sensíveis e ficamos muito magoados. Não podíamos compreender, Quando você está apaixonado e vem alguém e diz:'Como você pode estar com aquela mulher?', você só tem a responder:"O que você quer dizer? Estou com a deusa do amor, a plenitude de toda a minha vida. Por que você quer atirar uma pedra nela ou me punir por estar amando-a?"
Playboy: Mas o que dizer da acusação de que John Lennon está sob o feitiço de Yoko, sob seu controle?
Lennon: Isso é baboseira. Ninguém me controla. Sou incontrolável. Sou o único a me controlar, mesmo assim...
Playboy: Muita gente acredita nisso.
Ono: Não.
Lennon: Olhe, se alguém tiver que me impressionar, seja um Maharishi ou uma Yoko Ono, chega a hora em que o imperador fica nu. Há um ponto em que passo a perceber. Portanto, vocês aí que pensam que estou de olhos vendados, isto é um insulto a mim. Não que vocês estejam menosprezando Yoko, pois isso é um problema de 'vocês'. O que conta é o que 'eu' penso dela. Pois fodam-se! Vocês não sabem o que está acontecendo.
Ono: Naturalmente, é um insulto total a mim...
Lennon: Ela não precisa de mim. Não precisa de um Beatle. Quem precisa de um Beatle?Playboy: Por que então dizem isso?
Lennon: As pessoas querem se apegar a alguma coisa, a alguém. Mas quem diz ter algum interesse em mim, como um artista individual ou mesmo como um dos Beatles, e não consegue entender por que eu estou com Yoko, então é porque não entendeu nada de mim. Essa gente só quer 'tietar' - não importa com quem seja. Mick Jagger ou outro qualquer. Vão tietar o Mick Jagger, então. Eu não preciso disso. Vão perseguir os WINGS. Me esqueçam. Se é isso que vocês querem, vão atrás de Paul ou de Mick. Não estou aqui para isso.
Playboy: Você...
Lennon: Espere um minuto; às vezes não consigo me desvencilhar desse assunto. Ninguém nunca insinuou que Paul me dominasse ou que eu dominasse Paul! Nunca alguém achou que isso fosse anormal, dois rapazes juntos, quatro rapazes juntos! Ninguém nunca perguntou: "Poxa, mas como esses rapazes não se separam? O que se passa nos bastidores? Qual é a de John e de Paul?" Nós passamos mais tempo juntos, naqueles dias do que eu já passei com Yoko: nós quatro dormindo no mesmo quarto, praticamente na mesma cama, no mesmo carro, vivendo lado a lado, dia e noite, 'cagando' e 'mijando' juntos! Ninguém disse uma palavra sobre domínio ou controle. Veja estão cumprimentando os Stones por estarem juntos há 112 anos. Viiva!”
Na década de 80 a pergunta é: "Por que esses caras ainda estão juntos? Não podem se virar sozinhos? Por que tem de ficar em bando?" Olha-se para os Beatles e os Stones e toda essa rapaziada começa a parecer relíquia. Os dias em que havia essas bandas masculinas será coisa de documentário. Haverá filmes mostrando aquele rapaz de batom remexendo a bunda e os 4 carinhas com maquiagem negro-pavor nos olhos tentando parecer repelentes. Será uma piada no futuro - não um casal cantando junto, ou vivendo e trabalhando junto. Quando você tem 16 anos, está certo ter companhias e ídolos masculinos. É a coisa da tribo, do grupo, tudo bem. Mas, quando você ainda faz isso aos 40, significa que na cabeça, você ainda não passou dos 16. Playboy: Apaixonar-se por Yoko e deixar os Beatles são duas coisas interligadas?
Lennon: Como disse, eu começava a querer sair, mas quando se conhece Yoko é como conhecer a primeira mulher da sua vida. Deixa-se os companheiros de bar. Não se vai mais ao futebol. Nem jogar sinuca. Nós nos casamos 3 anos depois em 69. Era o fim da turma. Aconteceu de os rapazes serem conhecidos, e não apenas companheiros de bar. Todo mundo ficou tão 'irritado'. Jogaram muita merda na gente. Muito ódio.
Ono: Até hoje. Acabei de ler que Paul disse: "Compreendo que ele queira estar com ela. Mas por que tem que estar o tempo todo?"
Lennon: Yoko, você ainda tem de carregar essa cruz? Isso foi anos atrás.
Ono: Não, não e não. Ele disse isso recentemente. Fui para a cama com o cara de quem gostava e, de repente, na manhã seguinte, vejo aqueles 3 irmãozinhos lá na minha frente.Lennon: Sempre achei que havia algumas insinuações de Paul em "Get Back". Quando estávamos gravando, cada vez que ele cantava "Get back to where you once belonged" (Volte para o seu lugar), ele olhava para Yoko.
Playboy: Você está brincando.
Lennon: Não, mas talvez ele diga que eu sou paranóico.Obs: A parte seguinte da entrevista se deu com Lennon sozinho.
Playboy: Falemos dos "irmãozinhos". Por que é tão impensável a idéia de que os Beatles voltem a fazer música juntos?
Lennon: Você quer voltar ao ginásio? Por que eu haveria de recuar dez anos só para dar a ilusão de uma coisa que não existe mais?
Playboy: Esqueçamos a ilusão. Por que não fazer apenas bela música juntos?
Você admite que os Beatles fizeram bela música?
Lennon: Por que os Beatles teriam de oferecer mais? Não deram tudo nessa bendita terra, por dez anos? Não 'se' deram? Você é do tipo do fã amor-e-ódio, que diz: "Obrigado por tudo - mas não daria mais? Só um milagre?"
Playboy: Não estamos falando de milagres - só de boa música.
Lennon: Dean Martin e Jerry Lewis tinham de ficar juntos só porque 'eu' gostava deles juntos? Por que fazer as coisas só porque os outros querem? A própria ideologia dos Beatles era: faça o que bem quiser - assumir sua própria responsabilidade.
Playboy: Perfeito. Mas você não acha que os Beatles criaram o melhor rock jamais produzido? Lennon: Não. Os Beatles - veja bem, estou muito envolvido com eles, não consigo vê-los com objetividade. Mas não me satisfaz nenhuma porra de álbum que os Beatles fizeram. Não haveria 'um' só que eu fizesse de novo. Fizemos coisa boa, mas fizemos coisa ruim.
Playboy: Muita gente acha que nenhuma das canções que Paul fez sózinho se compara às que ele fez como Beatle. Você acredita que 'suas' canções terão a perenidade de "Eleanor Rigby" ou "Strawberry Fields"?
Lennon: "Imagine", "Love" e aquelas músicas da 'Plastic Ono Band' estão no mesmo nível de 'qualquer' música que eu fiz como Beatle. Pode até ser que se leve vinte, trinta anos para apreciá-las.
Playboy: Parece que você está querendo dizer:"Era apenas boa música". Mas o mundo inteiro diz: "Não era só boa música, era 'a melhor'.
Lennon: Bem, e daí? 'Não será mais'! todo mundo fala de uma coisa boa que acaba como se a vida estivesse no fim. Mas, veja, eu já terei 40 anos quando esta entrevista for publicada. Paul tem 38. Elton John, Bob Dylan...Somos relativamente jovens. O jogo não acabou. Se Deus quiser, ainda haverá quarenta anos de produtividade pela frente.
Playboy: Não acha que seria interessante - nada transcendental, só 'interessante' - vocês se reunirem e promoverem esse cruzamento de talentos?
Lennon: Não seria 'interessante' trazer Elvis de volta para os seus anos iniciais? Mas não quero tirá-lo do túmulo. Os Beatles não existem e não podem existir de novo. John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Richard Starkey podem fazer um concerto, mas não serão mais os Beatles, porque não temos mais 20 anos. Não podemos ser o que não somos. Teremos de ser crucificados de novo? De andar sobre ás águas de novo, só porque um bando de idiotas não assistiu à cena na época, ou não acreditou no que via? Nunca. Não dá para voltar para uma casa que não existe mais.
Playboy: Fora os milhões que ofereceram a vocês para um concerto conjunto, o que você achou da "generosa" oferta de 3.200 dólares para aparecerem juntos no "Saturday Night Live"? Lennon: Paul e eu estávamos vendo o programa na minha casa. Quase corremos pro estúdio só de sacanagem.
Playboy: Você e Paul vendo TV juntos?
Lennon: Foi um período que Paul chegava em casa, e simplesmente batia. Eu o deixava entrar. Até que lhe disse:"Por favor, telefone antes. Não estamos mais em 1956 e abrir a porta não é a mesma coisa". Ele ficou irritado com isso, mas eu não disse por mal. Só queria dizer que a gente ficava o dia inteiro cuidando do bebê e que, de repente, chegava um cara batendo à porta... Playboy: Foi a última vez que você viu Paul?
Lennon: Sim, mas eu não queria isso.
Playboy: Muita gente quer saber se o 'Quarteto Fantástico' é composto por inimigos mortais ou pelos melhores amigos.
Lennon: Nem uma coisa nem outra. Não vejo 'nenhum' dos Beatles há não sei quanto tempo. Alguém me perguntou o que eu achava do último disco do Paul e eu disse que parecia deprimido e triste. Aí percebi que não tinha ouvido a coisa toda. Ouvi uma faixa "Coming Up", que acho um bom trabalho, e mais alguma coisa que me deu essa impressão. Mas não acompanho o trabalho dele. Não sei dos WINGS. Estou cagando para o que os WINGS estão fazendo, assim como George, Ringo, Bob Dylan. Não é por mal, é que ando muito ocupado com minha própria vida.
Playboy: Como funcionava a parceria Lennon-McCartney?
Lennon: Digamos que ele oferecia a claridade, o otimismo e eu a tristeza, um cortante pessimismo. Achei até que não conseguia fazer baladas, só rocks diretos e estridentes. Mas quando lembro de "In My Life" e até coisas antigas como "This Boy", vejo que também sabia fazer melodias. Paul tinha muita técnica, podia tocar um monte de instrumentos. Ele dizia:"Por que você não mudou isto aqui? Você já usou esta nota cinquenta vezes". Mas era eu quem desenvolvia, uma canção - que, em geral, Paul começava.
Playboy: Quem fazia as letras?
Lennon: Sempre me dei bem com as letras, embora Paul seja um letrista bem mais capaz do que ele próprio haveria de imaginar. "Hey Jude" é uma letra dos diabos!
Playboy: Um exemplo de letra que você e Paul trabalharam juntos?
Lennon: Em "We Can Work It Out", Paul fez a metade inicial, eu fiz o fecho. Você tem Paul escrevendo, "We can work it out (Nós podemos resolver isto) - muito otimismo, percebe? e eu, impaciente: "Life is very short and there's no time for fushing and fighting, my friend...(A vida é muito curta e não há tempo para futrica e briga, meu amigo.)
Playboy: Você não andou dizendo que vocês faziam a maior parte das canções separados? Lennon: Estava mentindo (ri). Estava ressentido. Mas, na verdade, muitas das músicas foram feitas cara a cara.
Playboy: Mas outras 'eram' feitas a parte, não eram?
Lennon: Eram. "Sgt. Pepper" foi idéia de Paul. Lembro que ele trabalhou muito na coisa até me chamar para dizer que estava na hora de compor. sob a pressão de 10 dias de trabalho, eu me arranjei para fazer "Lucy in the sky" e "Day in the Life". A gente não se comunicava muito. Foi por isso que fiquei ressentido com a história. Hoje entendo que era o eterno jogo da competição.
Playboy: Vc não acha que aquela magia entre vocês dois é algo que vocês perderam, em seu trabalho individual?
Lennon: Não sinto perda alguma. Não quero que isso soe negativo, como se eu não tivesse precisado de Paul, porque, quando ele estava lá a coisa obviamente funcionou. Mas não posso... é mais fácil dizer o que eu dei a ele do que o que ele me deu. E ele diria o mesmo.
Playboy: Não é possível que, com vocês, tenha sido o caso de um todo criativo maior do que a soma das partes?
Lennon: Não sei se irá surpreender você: quando os Beatles tocaram nos EUA pela 1ª vez, era pura técnica. No sentido de que já éramos putas velhas. A excitação tinha se dissipado após tantas apresentações e tanto tempo.
Playboy: Mudemos para Ringo. O que você pensa dele musicalmente?
Lennon: Ringo era um astro em Liverpool. Um baterista profissional que cantava e executava, tinha o conjunto "Ringo Startime". O talento de Ringo desabrocharia, de uma forma ou de outra - como ator, baterista, cantor, não sei. havia algo de promissor nele e ele teria despontado com ou sem os Beatles. Ringo é um demônio de baterista. Não é tecnicamente bom, mas penso que a bateria de ringo é subestimada, assim como o baixo de Paul. PAUL FOI UM DOS BAIXOS MAIS INOVADORES DE QUALQUER ÉPOCA. E metade do que ele faz hoje é amadurecimento do tempo dos Beatles. Ele é egocêntrico em tudo que lhe diz respeito, mas sempre foi menos orgulhoso do que deveria ser em relação a seu baixo. Paul e Ringo não eram tecnicamente uma beleza... Nenhum de nós era técnico de música. Nenhum de nós lia partitura. Nem escrevia.
Playboy: E que tal o solo de George?
Lennon: "All Things Must Pass" era bom. Mas ele foi um pouco longe demais.
Playboy: Você fala do processo em que ele foi acusado de ter feito em "My Sweet Lord" um plágio de "He's So Fine"?
Lennon: Bem, foi ele quem quis. Ele sabia o que estava fazendo.
Playboy: Conscientemente, você acha?
Lennon: Não é tão tolo assim. Poderia ter mexido numas partes da música e ninguém mexeria com ele, mas ele deixou assim e pagou o preço. Talvez tenha achado que Deus o tiraria dessa.
Playboy: Você não falou muito de George nessa entrevista.
Lennon: Fiquei magoado com o livro de George, "I, Me, Mine". Portanto, esse é um recado para ele. Ele publicou um livro sobre sua vida e, graças a omissões propositais, diz que minha influência na sua vida foi zero.
Playboy: Por quê?
Lennon: Porque a relação de George comigo era a de um jovem discípulo com um cara mais velho. Ele é mais novo. É que George ainda acumula ressentimentos contra mim, pois fui o pai que deixou a casa. Não quero ser egocêntrico, mas ele era um discípulo meu quando começamos. Eu já estudava arte e Paul e George estavam no ginásio. Eu me lembro quando ele me chamou para pedir ajuda em "Taxman". Dei uns toques, já que ele havia pedido. Ele veio a mim porque não podia ir a Paul, pois Paul não o teria ajudado. Eu não queria fazer. Já tinha o meu trabalho e o de Paul. Mas eu não quis ferí-lo e o ajudei. A gente sempre permitia a George uma faixa por LP. As músicas que ele e Ringo cantavam, a princípio, eram as mais fáceis de cantar. Portanto, eu me magoei um pouco com o livro do George. Mas não se enganem. Eu ainda amo esses caras. Os Beatles acabaram, mas John, Paul, George e Ringo continuam.
Playboy: E se vocês se reunissem num concerto-gigante de caridade?
Lennon: Eu não gosto de caridade.
Playboy: Como?
Lennon: Por que é sempre roubalheira. Eu não me apresento para ganho pessoal desde 66, a última apresentação dos Beatles. Desde então, cada concerto que Yoko e eu fizemos foi para obras de caridade específicas. Cada concerto que a gente fez foi uma massada ou uma roubalheira. Hoje, a gente prefere dar dinheiro a quem a gente quer. Sabe o que é dízimo?Playboy: É dar uma percentagem fixa da sua renda.
Lennon: Perfeito. Eu vou fazer isso, de maneira privada. Não quero ficar aprisionado nesse negócio de salvar o mundo no palco.
Playboy: E o concerto por Bangladesh com George e outros caras como Dylan?
Lennon: Bangladesh foi uma merda. É tudo rouballheira. Melhor esquecer. Vocês aí que estão me lendo, não se abalem em me mandar todo esse lixo:"Venha salvar os índios, venha salvar os negros, os veteranos de guerra!" Todo aquele que 'eu' quiser salvar, será salvo pelo dízimo, exatamente dez por cento de tudo o que nós ganhamos.
Playboy: Mas isso não é nada diante do que Sid Bernstein, empresário, disse que vocês podem levantar, através de um concerto televisado para todo o mundo. Ele calcula uns 200 milhões de dólares numa única noite.
Lennon: Isso é uma espécie de comercial para Sid Bernstein, que eu não compro.
Playboy: Mas 200 milhões de dólares para um país miserável da América Latina...
Lennon: De onde as pessoas tiram essa idéia de que os Beatles deviam dar 200 milhões de dólares para a América Latina? Olha, os EUA já despejaram bilhões em lugares como esse. Não significou nada. Depois que os 200 milhões se forem, o que acontecerá? É um circulo vicioso. Pode-se despejar dinheiro infinitamente. Depois do Peru, o Harlem; depois, a Inglaterra. Não haverá um concerto. Teríamos de dedicar o resto da vida a uma excursão mundial, e eu não estou preparado para isso. Não nesta vida pelo menos.
Yoko volta a conversa.
Playboy: Vocês são socialistas, não?
Lennon: Na Inglaterra, só há duas coisas a ser, basicamente: ou você está com o movimento operário ou está com os capitalistas. se você é da classe de onde eu venho, ou você se torna um troglodita de direita, ou você se torna um socialista por instinto, como eu era. Quer dizer: eu achava que as pessoas tinham direito a ganhar sua dentadura e ter a saúde cuidada, e o resto. Fora isso, eu queria ser rico.
Playboy: Seja qual for sua política, vocês têm jogado muito bem o jogo capitalista.
Ono: Não há dúvida de que nós ainda vivemos num mundo capitalista. Para mudar o mundo, a gente tem de primeiro cuidar da gente mesma. Eu não tenho um tostão,é tudo de John, eu sou dura. Mas eu uso o dinheiro dele e tenho de encarar essa hipocrisia. Costumava pensar que o dinheiro é obsceno, que os artistas não têm de pensar em dinheiro. Mas para mudar a sociedade, há dois caminhos: pela violência ou pelo poder do dinheiro dentro do sistema.
Playboy: E como jogar o jogo sem cair na armadilha - o dinheiro pelo dinheiro?
Ono: Não há um limite. deve ser paralelo ao nosso nível de segurança. Falo de segurança emocional, também.
Playboy: Mas por que 150 milhões? Não bastariam 100? Ou um milhão?
Lennon: O que você sugere que eu faça? Desisitir de tudo e cair na vida? Os budistas dizem: "Livre-se do sentimento de posse." fugir do dinheiro não ajudaria a chegar lá.
Playboy: Mas como se chega lá?
Lennon: Leva tempo para se livrar de todo esse lixo que eu vinha carregando e que influenciava meu modo de pensar e de viver. Devo muito a Yoko, que me mostrou que eu ainda estava 'possuído'. fisicamente me libertei qdo me apaixonei por Yoko, mas mentalmente tive esses 10 últimos anos de luta. Eu aprendi tudo com Yoko.
Playboy: Uma relação professor-aluno?
Lennon: É uma relação professor-aluno. As pessoas não entendem. Eu sou o famoso, aquele que supõe saber tudo, mas 'ela' é minha professora. Ela já estava lá quando eu não estava em lugar algum, quando eu não passava de um zé-ninguém. Ela é meu Don Juan (o mestre índio yaqui de Carlos Castañeda). É o que as pessoas não querem entender. Sou casado com o porra do Don Juan, o que é a dificuldade. Don Juan não tem de rir, não tem de ser charmoso; Don Juan só 'é'. E o que se passa em volta de Don Juan é irrelevante para Don Juan.
Playboy: Como ele te ensinou?
Lennon: Quando Don Juan disse...Quando Don Yoko disse: "Saia! Você não está pegando a coisa!", foi como ser mandado para o deserto. E a razão pela qual ela não deixava eu voltar era porque eu não estava preparado prá voltar. Eu tinha de experimentar as coisas dentro de mim mesmo.
Playboy: Você está se referindo a sua separação?
Lennon: Sim. Nós estivemos separados no início dos anos 70. Ela me deu um pé na bunda. De repente eu estava sozinho.
Playboy: O que aconteceu?
Lennon: Bem,a princípio, pensei: hip-hurra! Você sabe: vida de solteiro. Viva! Então acordei um dia e pensei: "Que é isso? Quero ir prá casa!" Mas ela não me deixou voltar. Foi por isso que foram 18 meses de separação. Falávamos sempre por telefone e eu pedia para voltar, e ela dizia que eu não estava preparado. Fazer o quê? Está bem - e mais um trago.
Playboy: E aí, mais um trago?
Lennon: Na bebida, eu estava escondendo o que sentia. Foi um final de semana perdido que durou 18 meses. Nunca bebi tanto na vida.
Playboy: Por que você deu um pé em John, Yoko?
Ono: Muitas coisas. Sou do tipo de mulher que vai embora; há uma música no novo disco que fala disso. Em vez de lidar com os problemas da relação, prefiro ir embora. É por isso que sobrevivo. As mulheres tendem a ir mais fundo, mas eu não. Achei que devia mudar porque estava sofrendo estando com John.
Playboy: Por quê?
Ono: A pressão do público, pois fui eu quem levou os Beatles à ruptura e quem impediu que eles ficassem juntos de novo. Meu trabalho também ficou prejudicado. Pensei em deixar de ser a Sra. Lennon e achei que seria uma boa ele ir para Los Angeles e me deixar sozinha. Eu tinha aguentando a barra por muito tempo. Quando os Beatles ainda estavam juntos, nós dois num quarto, numa cama, mas se alguém esquecesse de fechar a porta um dos assistentes dos Beatles iria entrar e falar com ele, como se eu não existisse. Eu era invisível. As pessoas em torno do John me viram como uma terrível ameaça. Ouvi dizer que havia planos para me matar. Não os Beatles, mas o pessoal em volta deles.
Playboy: Como vocês se reencontraram?
Ono: Comecei a perceber que John não era lá um problema. John é ótima pessoa. Era a sociedade que tinha se tornado insuportável. Começamos a namorar de novo. Queria estar segura. Estou agradecida a inteligência de John.
Playboy: E Sean que tem 5 anos, ele sabe que seu pai foi um Beatle?
Lennon: Eu não disse nada. Não havia razão: nunca tocamos os discos dos Beatles. Sean viu "Yellow Submarine" na casa de um amigo, aí tive que lhe explicar o que a minha figura fazia num desenho animado.
Playboy: E Julian do seu 1º casamento, deve ser um adolescente.
Lennon: Sim, Cyn ganhou a guarda. Fico com ele nas férias e ficou uma linha aberta. Ele tem 17 anos.
Playboy: Você diz que Sean é seu primeiro filho. Não se importa de magoar Julian?
Lennon: Não vou mentir a Julian. 90% das pessoas deste planeta, especialmente no Ocidente, nasceram de uma garrafa de uísque numa noite de sábado - são acidentes. Não conheço ninguém que seja um filho planejado. Todos nós somos embalos de sábado à noite. Julian faz parte dessa maioria, tanto quanto eu. Sean é um filho planejado, e aí está a diferença. Não amo Julian menos, como filho, mesmo que tenha saído de uma garrafa de uísque, mesmo que não houvesse pílulas naquela época. Ele está aqui pertence a mim e sempre me pertencerá.
Playboy: E o novo disco como é?
Lennon: Resumindo: é sobre coisas ordinárias entre duas pessoas ordinárias. As letras são diretas. Simples e objetivas. Já passei pela minha fase dylanesca há muito tempo, com músicas como "I am the Walrus": o truque de nunca dizer o que você quer dizer, para dar a impressão de algo mais. Uma boa brincadeira.
Playboy: De que tipo de música você gosta?
Lennon: Bem, gosto de qualquer música. Não distingo estilos de música ou pessoas, por si próprias. Não posso dizer que aprecie os "Pretenders", mas gosto dos seus discos. Gosto do "B-52's", pois os vi tocando Yoko, foi lindo.
Ono: Fizemos muita coisa punk, anos atrás.
Lennon: Adoro essa coisa punk. É pura. Só não sou fanático em relação a pessoas que destróem a si mesmas.
Playboy: Você discorda do que Neil Young diz:"É melhor explodir do que esmorecer"?
Lennon: Detesto isso. Não gosto do culto da morte, de um James Dean morto, de um John Wayne morto. Eu cultuo as pessoas que sobrevivem. Gloria Swanson, Greta Garbo. Estão dizendo por aí que John Wayne desafiou o câncer - que lutou contra ele como um verdadeiro homem. Sinto muito que tenha morrido, mas ele não lutou contra o câncer; o câncer que lutou contra ele.
Playboy: John, você escuta seus discos?
Lennon: Menos ainda.
Playboy: Nem os clássicos?
Lennon: Você está brincando? Nunca os ouviria por minha própria iniciativa. Quando os ouço só me lembro das circunstâncias em que foram gravados - é como um ator que se visse num filme velho. Fico me lembrando de Abbey Road, a gravação, quem brigou com quem...
Playboy: Suas músicas são ainda muito tocadas. Como você se sente?
Lennon: Fico sempre orgulhoso e satisfeito. Me dá prazer, mesmo pq muitas das minhas músicas não são lá essas coisas. Vou a um restaurante e a banda logo ataca de "YESTERDAY". Até autografei o violino de um sujeito, na Espanha, depois que ele tocou "Yesterday".
Playboy: O que vocês diriam àqueles que insistem que todo o rock, depois dos Beatles, é cópia dos Beatles?
Lennon: Toda música é cópia. são variações sobre o tema. tente dizer a garotada dos anos 70, que vibra com os Bee Gees, que a música deles é só cópia dos Beatles. Não há nada de errado com eles.
Playboy: As músicas dos Beatles não eram pelo menos mais inteligentes?
Lennon: Os Beatles eram mais intelectualizados, por isso eles se destacavam nesse nível, também. Mas o apelo básico dos Beatles não era a inteligência; era sua música. Só depois que alguém do TIMES de Londres disse que havia cadências eólicas em "It Won't Be Long" é que a classe média passou a prestar atenção - pois alguém tinha inventado uma etiqueta para a coisa.
Playboy: Há cadências eólicas em "It Won't Be Long"?
Lennon: Até hoje não tenho a “menor” idéia do que seja isso. Serão pássaros exóticos?Playboy: Como você reage às más interpretações de suas músicas? Como naquele episódio de "Paul está morto". você disse isso em "Glass Onion". E, em "I am the Walrus", você disse "eu enterrei Paul" (I buried Paul)?
Lennon: Eu disse "molho Cranberry" (Cranberry sauce). Foi isso. Há quem goste de ping-pong, há quem goste de ficar escavando túmulos. há quem faça tudo para não viver o aqui-e-agora.
Playboy: E quando suas canções levavam a atitudes destrutivas, como ocorreu com Charles Mansos, que dizia que as suas letras eram mensagens para ele?
Lennon: Não tinha nada a ver comigo. É como essa figura, o Filho de Sam, que trocava ideías com um cachorro. Manson era uma versão extremada dessa gente que entendeu que as iniciais de "Lucy in the Sky with Diamonds" eram LSD e que eu estava falando de ácido.
Playboy: De onde surgiu "Lucy..."?
Lennon: Meu filho Julian veio um dia da escola com um desenho dele de uma colega, Lucy. Ele tinha rabiscado estrelas no céu e chamou o retrato de "Lucy in the Sky with diamonds". Simples, não?
Playboy: As outras imagens na canção não eram inspiradas por drogas?
Lennon: Eram de "Alice no País das Maravilhas".
Playboy: E "In My Life"
Lennon: Foi a primeira canção que escrevi conscientemente relacionada com minha vida (canta):"Há lugares de que eu me lembrarei/Por toda minha vida, embora alguns tenham mudado..." antes, a gente escrevia à la "Everly Brothers", canções pop com nenhuma idéia dentro delas. "In My Life" começava como um passeio de ônibus da minha casa na "Menlove Avenue", 250, até a cidade, mencionando os lugares que eu lembrava. Escrevi e ficou chato. Aí eu resolvi deixar prá lá e as palavras foram voltando, com os amigos e amores do passado. Paul ajudou.
Playboy: E "Yesterday"?
Lennon: Sempre recebi os maiores elogios por "Yesterday". Mas é uma música de Paul - filha de Paul. Muito bem-feita. Bela - mas nunca desejei que fosse minha.
Playboy: "With a little help from my freinds"?
Lennon: É de Paul. com uma pequena ajuda minha. É meu:"O que você vê quando apaga a luz? Eu não sei, mas sei que é meu..."
Playboy: "I Am the Walrus"?
Lennon: A 1ª linha foi num final de semana numa viagem de ácido. A segunda no outro final de semana na viagem de ácido seguinte. E foi terminada depois que conheci Yoko. Criticava o Hare Krishna, Allen Ginsberg, por exemplo. a referência "pinguim elementar" é a atitude ingênua, de se sair cantando "Hare Krishna", ou de jogar toda sua fé em qualquer ídolo. Eu estava escrevendo de forma obscura, à lá Bob Dylan, naquela época.
Playboy: E "She Came in Through the Bathroom Window"?
Lennon: Foi escrita por Paul quando estávamos em NYC, formando a Apple e ele conheceu Linda. Talvez fosse ela a tal que entrou pela janela do banheiro. Só pode ter sido ela. Não sei. 'Alguém' entrou pela janela do banheiro.
Playboy: "I Feel Fine"?
Lennon: Sou eu, inclusive o acorde de guitarra que foi o primeiro feedback jamais gravado. Desafio qualquer um a me mostrar um disco anterior - a menos que seja um velho disco de blues dos anos 20 - que tenha um feedback.
Playboy: "When I'm 64"?
Lennon: Paul, completamente. Nunca sonharia em escrever nada parecido.
Playboy: "A Day in the Life"?
Lennon: Exatamente o que diz: eu estava lendo o jornal, um dia, e notei duas histórias. Uma sobre o herdeiro da Guiness(Tara Browne) que se matou num carro. Era a manchete. Morreu em londres numa batida de carro. na página seguinte, havia a notícia dos 4 mil buracos de Blackburn, Lancashire. Isto é, nas ruas de Blackburn. Iam tapá-los todos. A contribuição de Paul foi o belo e pequeno arranjo na hora em que se fala "I'd love to turn you on". Eu tinha o núcleo da canção e a letra, mas ele contribuiu com essa passagem.
Playboy: "I wanna be your man"?
Lennon: Paul e eu fizemos essa para os Stones. Fomos vê-los tocar em Richmond. Eles queriam uma música e fomos ver que tipo de som eles faziam. Paul tinha um trecho e nós a cantarolamos. eles disseram, "Ok, é o nosso estilo". Eu e Paul fomos para um canto e a terminamos. voltamos e Mick e Keith disseram:"Meu Deus, vejam isto. Eles foram lá e já terminaram." Demos a música para eles. Uma esmola. Isso mostra a importância que a gente atribuía a eles. Nós não lhes daríamos algo que fosse realmente estrondoso. Era o primeiro disco dos Stones. Mick e Keith pensaram:"Se eles podem fazer uma música assim tão facilmente, nós podemos tentar."
Playboy: "Help!"?
Lennon: Quando "Help!" surgiu em 65, eu estava realmente pedindo socorro. Muita gente pensa que é só um rock-pauleira. Eu na época não percebi. Mais tarde é que senti que estava, de fato, pedindo ajuda. Foi meu período negro. Veja o filme: ele - eu - está gordo, muito inseguro, completamente perdido. Hoje em dia sinto-me muito mais positivo, é isso, embora ainda passe por fossas profundas, daquelas que dão vontade de pular pela janela.
Playboy: Por que o desespero, em "Help!"?
Lennon: O fenõmeno Beatles estava passando dos limites. Fumávamos maconha no café da manhã. A gente se enchia de fumo e era impossível alguém entrar em contato com a gente, pois era o tempo todo aquela história de olhos esgazeados, sorrisos bestificados. Estávamos sempre na nossa.
Playboy: "I'm a Loser" é coisa pessoal?
Lennon: Uma parte de mim suspeita que eu sou um perdedor e, a outra acha que eu sou Deus Todo-Poderoso.
Playboy: Você ainda toma drogas?
Lennon: Não. Se alguém me passa um baseado até fumo, mas não vou atrás. Já cheirei coca, mas é uma droga idiota, pois você tem de cheirar de novo a cada 20 minutos. Toda sua concentração se resume em ficar esperando pelo toque seguinte. E ácido estou sem há anos. Não podemos deixar de agradecer à CIA e ao Exército pelo LSD. Eles inventaram o LSD para controlar as pessoas e o que nos deram foi a liberdade. Se você dá uma olhada nos relatórios oficiais sobre ácido, percebe que todos aqueles que pulam pela janela ou se matam sob efeito de LSD na verdade já tinham tentado antes.
Playboy: Voltemos às músicas:"Hey Jude", de Paul?
Lennon: Ele disse que é sobre Julian. Ele sabia que eu estava rompendo com Cyn e deixando Julian com ela. Paul era como um tio para Julian. Mas sempre a entendi como um recado para mim. Estou até parecendo um daqueles fãs que ficam buscando coisas nas letras... Pense nisto: Yoko tinha acabado de entrar em cena. Paul diz: "Hey Jude" - "Ei, John". Inconscientemente, ele dizia:"Vá em frente, deixe-me". No nível consciente, ele não queria que eu fosse em frente. O anjo que há dentro dele dizia: "Deus te abençoe". O demônio dentro dele não queria perder o parceiro.
Playboy: "Because"?
Lennon: Estava ouvindo Yoko tocar a "Sonata ao Luar", de Beethoven. Aí eu pedi:" Você pode tocar esses acordes de trás para a frente?" Ela tocou e fiz "Because" a partir daí. A letra é clara, nenhuma merda, nehuma referência obscura.
Playboy: "Do You Want to Know a Secret"?
Lennon: A idéia veio de uma canção que mamãe cantava pra mim de um filme de Disney. Escrevi e dei para George cantar. Pensei que seria um bom veículo para ele, pois só tem 3 notas e ele não é o melhor cantor do mundo. Esta é uma das razões pelas quais fiquei magoado com o livro dele. Nunca tive um tostão de qualquer música de George ou Ringo. Nunca pedi nada pelas minhas contribuições às músicas de George, como "Taxman". Nem mesmo o reconhecimento. É por isso que posso ter ressentimentos de George e Ringo.
Playboy: "Happiness is a Warm Gun"?
Lennon: Não, não é sobre heroína. Havia lá uma revista de armas, com um revólver fumeguante na capa e um artigo chamado "Happiness is a Warm Gun". Os trocadilhos sexuais são pelo início de minha relação com Yoko e eu vivia com idéia fixa sobre sexo na época. Quando não estávamos no estúdio, estávamos na cama.
Playboy: "Across the Universe"?
Lennon: Os Beatles não fizeram uma boa gravação de "Across...". Acho que inconcientemente, nós... Acho que Paul inconcientemente tentou destruir minhas melhores músicas. Nós ficávamos fazendo foguetes experimentais em cima das minhas melhores obras, como "Strawberry..", que eu sempre considerei muito mal gravada. Funcionou, mas não era o que devia ser. Eu permitia contudo. Passamos horas depurando minuciosamente as músicas de Paul, mas quando chegava nas minhas, nascia uma certa atmosfera de preguiça e de experimentação.
Playboy: Sabotagem?
Lennon: Inconsciente. Fiquei magoado. Paul vai negar, pois ele tem rosto suave e dirá que não existiu.
Playboy: O novo álbum tem uma música: "Os Tempos Duros Acabaram" (Por enquanto) O que diz?
Lennon: Não é uma mensagem nova: dê uma chance a paz. Com "Imagine" a gente dizia "Pode-se imaginar um mundo sem países ou religiões?" É a mesma mensagem de novo.
Playboy: Deve haver gente esperando por seu disco como obra de um profeta. Assim, "Como Lennon definiu os anos 60 e 70, ele vai definir os 80". Como vc se sente?
Lennon: É triste. Não estamos dizendo nada de novo. Primeiro porque já dissemos antes. E 100 milhões de pessoas já disseram também.
Playboy: Mas suas canções têm mensagens.
Lennon: O que estamos dizendo é: "Eis o que está acontecendo conosco". Não queremos que seja: "Eu sou o iluminado; vocês são o rebanho a quem eu mostrarei o caminho".
Playboy: O que você sente ao saber que até alguém como Dylan entra nessa de misticismo?Lennon: Seja qual for a razão, é uma coisa pessoal e ele deve precisar disso. mas todo esse negócio de religião sofre do mal do "Avante, soldados de Cristo!". Há muita conversa sobre soldados, marchas e conversões. Não estou incluindo o budismo, embora eu não seja budista tanto quanto não sou cristão. Mas há algo que admiro no budismo: não há proselitismo.
Playboy: Você era um fã de Dylan?
Lennon: Não, deixei de ouvir Dylan depois de "Highway 64" e, mesmo na época, eu ouvia porque George me fazia sentar e ficar lá, escutando.
Playboy: Qual o sonho dos anos 80 para você, John?
Lennon: Bem, você faz seu próprio sonho. É a história dos Beatles, não é? É a história de Yoko. É o que eu digo agora. Faça seu próprio sonho. Se você quer salvar o Peru, vá salvar o Peru. É bem possível fazer alguma coisa, mas dotá-lo de líderes ou parquímetros não resolverão. Não espere que Jimmy Carter ou Ronald Reagan ou John Lennon ou Yoko Ono ou Bob Dylan ou Jesus Cristo venha e o faça por você. Você têm de fazê-lo sozinho. É o que os grandes mestres têm dito desde que os tempos começaram.
Eles podem apontar o caminho, deixar indicações em vários livros que são chamados de sagrados e venerados por suas capas, e não por aquilo que dizem, mas as instruções estão aí para que todos as vejam. Sempre estiveram e sempre estarão. Não há nada de novo sob o sol. Todos os caminhos levam a Roma. E as pessoas não podem fazê-lo por você. Eu não posso te despertar. “Você! pode se despertar. Eu não posso te curar. “Você” pode se curar.
Playboy: O que impede as pessoas de aceitarem essa mensagem?
Lennon: O medo do desconhecido. É o medo dele que impele todo mundo para os sonhos, as ilusões, as guerras,a paz, o amor, o ódio, tudo isso - é ilusão. É isso o desconhecido. Aceite o desconhecido e será uma viagem tranquila. Tudo é desconhecido - aí você estará à frente do jogo. É o que é. Certo?
Fim